Anápolis registrou mais suicídios que homicídios em 2023

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Dados são preocupantes e alertam para a urgência de se tomarem medidas efetivas para combater essa epidemia silenciosa e invisível que são as doenças da mente

Por Priscila Marçal

Em pleno Janeiro Branco, mês dedicado à conscientização sobre a saúde mental, um dado chama atenção: em 2023, em Anápolis, foram registrados mais suicídios que homicídios. Segundo informações da Delegacia de Investigação de Homicídios, DIH, no ano passado foram registrados 36 homicídios, contra 40 suicídios. Esses dados são preocupantes e alertam para a urgência de se tomarem medidas efetivas para combater essa epidemia silenciosa e invisível que são as doenças da mente.

O delegado titular interino da Delegacia de Investigação de Homicídios (DIH), Ulisses Valentim, avalia os números com preocupação. “A perturbação da saúde mental tem crescido na cidade, com o aumento vertiginoso dos casos de suicídio”, afirmou. O delegado também explicou que os casos de autoextermínio são investigados pela DIH para que seja descartada qualquer possibilidade de suicídio forjado, o que caracterizaria homicídio.

O psicólogo clínico Dr. Daniel Soares disse que os números de Anápolis são profundamente preocupantes. “Essas pessoas poderiam ter tratamento psicológico se tivesse acesso a ele”, afirmou. “O homicídio em si já é terrível. E saber que, em Anápolis, no ano de 2023, tivemos mais suicídio que homicídios é assustador. Isso nos revela, claramente, que o sujeito não está conseguindo lidar com a vida”, avaliou.

O especialista lembrou dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (OMS), que apontam que, no mundo, são registrados cerca de 800 mil suicídios por ano. Em 90% dos casos, o indivíduo que tentou ou praticou o suicídio tem algum tipo de transtorno mental.

“Como sociedade precisamos que esses dados nos choquem, pois é real que as pessoas estão em sofrimento psíquico. Também é real que, na maioria das vezes, ignoramos isso. Então, que esses dados assombrosos nos despertem”, finalizou.

Blackout de dados desafia a epidemia de depressão e ansiedade no Brasil

O que sabemos sobre a situação atual da saúde mental no Brasil vem de números divulgados por instituições estrangeiras, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que afirma que 26,8% dos brasileiros sofrem de ansiedade e 5,8% da população do país têm depressão. Mas ao procurar os números oficiais do Ministério da Saúde, encontramos dados mutilados, como a quantidade de pessoas internadas para tratamento de doenças mentais. Não há dados consolidados do quantitativo da população com a saúde mental comprometida.

Daniel Soares – psicólogo clínico

Especialistas afirmam que o Brasil está enfrentando uma epidemia de saúde mental. Entretanto, tal afirmativa baseia-se, apenas, na impressão pessoal de profissionais que atuam há muitos anos na área e têm percebido um aumento na quantidade de pessoas com algum tipo de transtorno mental. Os números exatos são uma incógnita.

O psicólogo clínico Daniel Soares concorda com essa afirmação, segundo sua estimativa pessoal, 80% das pessoas têm alguma das doenças mentais mais comuns: depressão, ansiedade e pânico. Segundo o especialista, é mais fácil a população identificar os sintomas das doenças mentais mais conhecidas por ter mais informações disponíveis sobre elas. Ele conta que muitos de seus pacientes, inclusive, já chegam ao consultório com um autodiagnóstico. “Mas esses que buscam ajuda são uma pequena parcela da sociedade. Devemos considerar os muitos outros que estão sofrendo, mas negam esse sofrimento. Dessa forma o Estado não fica sabendo do seu sofrimento. Por isso os dados reais sobre o número de pessoas com algum transtorno mental serão sempre impreciso”, explicou.

O blackout de dados sobre a situação de pessoas com doenças mentais dificulta o diagnóstico do cenário atual nos municípios brasileiros, consequentemente, impede a adoção de medidas práticas para se solucionar o problema.

Mesmo que se solicitasse, oficialmente, estatísticas aos órgãos públicos, os dados não seriam precisos, já que não há uma unificação do quantitativo de pacientes que buscam o serviço público, com os que buscam atendimento particular. Para se alcançar números exatos, seria necessário unir dados ambulatoriais, de hospitais, de psiquiatras e de psicólogos dos serviços públicos e privados.

“Com um mapeamento mais fidedigno, teríamos, no mínimo, um número que chegaria perto do real sobre quantos sofrem e do que sofrem, e, assim, poderíamos fazer uma frente de cuidado mais assertiva. Mas para isso, precisamos, também, que nossa cultura evolua, pois ela ainda tem um peso enorme sobre como o outro me vê, e como eu respondo desse lugar que me colocam”, acrescentou Daniel Soares.

Investimento no tratamento

Na falta de números oficiais, vamos trabalhar com os dados da OMS: 1 a cada 3 pessoas no Brasil sofre com algum tipo de doença mental. Onde essas pessoas estão recebendo atendimento?

Segundo o psicólogo Daniel Soares, o tratamento de pessoas com doenças mentais como depressão e ansiedade é formado por um tripé: psiquiatra, psicólogo e exercício físico. “A psiquiatria trata o psiquismo também pelo biológico, principalmente com medicação, mas se preciso também com internação e proteção a esse ser. A psicologia clínica (psicoterapia) ajuda a simbolizar o sofrimento, e estruturar o psiquismo desse sujeito diante da imprevisibilidade da vida. E o exercício físico, é uma forma de fortalecer esse corpo, e, com isso, torná-lo desejante ao próprio sujeito, como um sinal de que ainda há vida ali”, explicou.

Cumprir com este tratamento de maneira eficaz e democrática, implica em entender que haveria psiquiatra (remédio), psicólogo e acesso a exercícios físicos para toda a população de maneira igualitária. “A soma desses cuidados resulta em saúde mental. E ter saúde mental não significa ausência de doença, mas a capacidade do sujeito saber lidar consigo mesmo diante das várias esferas da vida”, ressaltou Daniel Soares.

Em, Anápolis, por exemplo, a rede de saúde mental é bem estruturada com três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ambulatórios e leitos de internação – quando necessário. Ainda assim, apresenta alguns desafios que precisam ser superados. “O acesso a toda essa informação ainda é o nosso principal vilão, pois temos onde ir, mas muitos nem sabem disso, ou não se interessam, estamos com uma população de quase 400 mil habitantes, e com certeza precisamos de mais infraestrutura para receber uma boa parcela destes que sofrem.”

Outra preocupação é quanto ao tratamento do indivíduo já atendido. O acesso à medicação nem sempre é igualitário. Remédios para o tratamento de doenças mentais, geralmente, têm o preço elevado e nem todos são ofertados pela farmácia popular a custo zero (ou reduzido). Para uma família que vive de um salário mínimo, por exemplo, comprar medicamentos para o tratamento contínuo de doenças mentais se torna inviável.

Na rede pública de saúde, a rotatividade de profissionais é grande, o que dificulta a continuidade no tratamento psicológico ou psiquiátrico, essa é outra barreira a ser vencida no atendimento público à saúde mental. Com a troca de profissionais, o paciente precisa repetir toda sua história de angústia sempre que um novo especialista assume seu caso. É como se voltasse à estaca zero, a cada nova vez.

A perna deste tripé – psiquiatra, psicólogo e exercício físico – que estaria mais abalada, seria a do exercício físico. Novos estudos apontam que a atividade física regular diminui os riscos de depressão. Para efeitos mais precisos no tratamento contra as doenças mentais, o exercício mais indicado é a musculação. Mais uma vez bate-se na tecla de que uma família de baixo poder aquisitivo não teria condições de frequentar uma academia convencional. Seria a hora do poder público pensar em criar uma academia pública? É uma ideia a ser avaliada.

Mas o psicólogo Daniel Soares ressalta que não apenas a musculação, mas o exercício físico em si já seria de grande ajuda. “Em muitos casos, a pessoa não tem forças para sustentar o próprio corpo, então uma caminhada no quintal de casa já é alguma coisa, já mostra que tem vida aí, e que este corpo também é fonte de esperança”.

A falta de investimentos em saúde mental não é uma exclusividade do Brasil. Segundo a OMS, a história da saúde mental continua sendo de necessidade e negligência, com dois em cada três dólares do escasso gasto público em saúde mental são destinados a hospitais psiquiátricos independentes – mais que a serviços de saúde mental comunitários, onde as pessoas recebem melhor atenção. Durante décadas, a saúde mental tem sido uma das áreas mais negligenciadas da saúde pública, recebendo uma ínfima parte da atenção e dos recursos de que necessita e merece.

Não é o mal do século

É um assunto que já vem sendo falado pela imprensa desde o século passado. Em março de 1999, a Revista Veja trouxe em sua capa a imagem tristonha de uma mulher, que, proporcionalmente, parecia menor que o sofá onde estava sentada. Em letras garrafais está escrito “Depressão: A luta contra a doença da alma”.

De lá pra cá, a saúde mental tem ocupado cada vez mais espaço nas páginas dos jornais, revistas e sites da Internet. Mas isso não significou resultados práticos. Apesar da intensidade em que se fala do assunto, os números de brasileiros diagnosticados com depressão e ansiedade só aumentam.

Atualmente, segundo dados mais recentes divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), 26,8% dos brasileiros receberam diagnóstico médico de ansiedade. Um terço (31,6%) da população mais jovem, de 18 a 24 anos, é ansiosa. As prevalências são maiores no Centro-Oeste (32,2%). O Brasil lidera o ranking, com o maior índice de pessoas ansiosas no mundo.

Agora vamos falar sobre a depressão. Os dados do último mapeamento sobre a doença realizado pela OMS apontam que 5,8% da população brasileira sofre de depressão, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros. A OMS aponta que o número de pessoas que sofrem de doenças mentais comuns está aumentando no mundo inteiro, principalmente em países de baixa renda.

Esses dados levaram a OMS a destacar a necessidade urgente de transformar a saúde mental no mundo. Segundo a OMS, em todos os países, são as pessoas mais pobres e desfavorecidas que correm maior risco de problemas de saúde mental e que também são as menos propensas a receber serviços adequados.

Em junho de 2022, ao apresentar um relatório com dados atualizados da saúde mental no mundo, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse: “Todos conhecemos alguém afetado por transtornos mentais. A boa saúde mental se traduz em boa saúde física e este relatório é um argumento convincente para a mudança. Os vínculos indissolúveis entre saúde mental e saúde pública, direitos humanos e desenvolvimento socioeconômico significam que a transformação de políticas e práticas em saúde mental pode trazer benefícios reais e substantivos para pessoas, comunidades e países em todos os lugares. O investimento em saúde mental é um investimento em uma vida e um futuro melhores para todos”.

Mente incapacitada

Esta epidemia de saúde mental deve ser enfrentada de maneira objetiva e definitiva. Uma pessoa com saúde mental abalada não se sente bem consigo mesmo, por isso, convive mal com a família, tem a vida financeira desorganizada, tem a capacidade de trabalho reduzida e estão suscetíveis a outras doenças físicas. Isso resulta em alguns dos problemas mais comuns enfrentados pelos governos, nas esferas municipal, estadual e federal: famílias destruídas, inadimplência, falta de mão de obra, doenças diversas.

Especialistas confirmam que pessoas com condições graves de saúde mental morrem, em média, de 10 a 20 anos mais cedo do que a população em geral, principalmente devido a doenças físicas evitáveis.

Os transtornos mentais são a principal causa de incapacidade, causando um em cada seis anos vividos com incapacidade. Esses dados são do período pré-pandemia. Segundo a OMS, a pandemia resultou no aumento de 25% da incidência de doenças mentais no mundo.

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